quinta-feira, 27 de maio de 2010

NEVE

Estou a ler (como dizem os portugueses) Neve, edição da Companhia das Letras, tradução de Luciano Machado da versão inglêsa Snow do romance Kar do romancista turco Orhan Pamuk, ganhador do prêmio Nobel de Literatura de 2006.

Estou ainda no capítulo 6 e já percebo que esta é uma obra interessante, não porque tenha seu autor ganhado o prêmio da Academia Sueca, mas porque sendo uma obra de um escritor, não totalmente ocidental, uma vez que a Turquia se encontra, geográfica e ideologicamente, entre os dois mundos, narra de maneira agradável, sem recorrer ao folkclore, a vida naquele país atormentado, justamente por se encontrar entre o Ocidente e o Oriente.

Não tenho às mãos a versão inglesa e muito menos a obra original, mas sei de antemão que esta obra não chegou inteira até nós. Para começar é difícil conceber que alguém possa traduzir integralmente o espírito de uma obra qualquer, o que seria uma exigência absurda e mais difícil ainda se esta obra já não é traduzida de seu original, que seria o ideal. O que não se pode admitir é que uma tradução traga os vícios e modismos do momento, porque a tradução deve ser uma recriação aproximando-se o máximo de seu texto original. Não é o que sentimos na tradução presente. O tradutor, traído pelo modismo, traz gerundismos, que por certo não existe na língua original e muito menos na língua portuguesa, que enfeia a obra e modifica o sentido original. Após o assassinato do professor Nuri Yilmaz, Ípek e Ka saíram do local do crime, e ao se encontrar só, Ka começa a refletir sobre aquela cena e porque não fizera nada para impedir, nem mesmo ligara para ninguém para relatar o acontecimento. Nosso tradutor escreve saxonicamente: atormentado pelo remorso e pelo sentimento de culpa disse a si mesmo que deveria estar ligando para algumas das pessoas a quem fora apresentado esta manhã. Por quê, deveria estar ligando? Por quê não, deveria ligar? Por quê este gerundismo absurdo?

Um outro erro encontrado frequentemente é o emprego errado de tempos e modos verbais. Hoje ningúem mais sabe usar o subjuntivo, um modo que serve para indicar  fato incerto, exprimir uma condição, incerteza ou dúvida.


 Na p. 337 lemos: " O fato de estar a soldo da Alemanha não significa que tem o direito de tripudiar sobre nossas crenças".  O verbo ter -tem - é aqui subordinado ao verbo estar e indica naturalmente uma condição devendo ir para o subjuntivo:  " O fato de estar... não sifnifica que tenha..." Aqui mais uma prova de que se seguiu a sintaxe inglesa, cujo subjuntivo fica escondido sob a mesma forma do presente.
Não sou um purista, o que seria impossível no mundo atual, quando recebemos todas as informações do mundo e às vezes, no exato momento em que o fato está acontecendo, tornando-se impossível a tradução imediata. O que se combate e deve ser combatido, é o uso indiscriminado de estrangeirismos, quando temos na nossa língua uma maneira de dizer a coisa.

O pior é que esta mania de anglicizar ou americanizar as palavras chegou até à própria prosódia e fonética. Assim se diz Bálcãs e até Bálcan para se referir aos Balcãs, à peninsula dos Balcãs. Balcãs sempre foi e será oxítona em português. Dizem Kósovo, quando o certo é Cosovo, paroxítona. Aliás, acho que nem sabem mais o que seja proparoxítona, paroxítona ou oxítona. A ignorância é total. Vive-se uma cultura de buteco, emprenhada pela mediocridade da televisão e dos jornais que se conformam em reproduzir pura e simplesmente o que lhes passam as agências de notícias e os programas televisivos feitos lá fora. É uma lástima. Neste ponto os portugueses tem muito a nos ensinar. Voltemos às nossas origens. Só assim a gente torna respeitado.

Paz no Mundo

Com este blogue pretendo escrever um pouco de tudo, mas sobretudo sobre as artes: literatura, musica, pintura, teatro dança e toda forma de manifestação cultural.

PAZ.